O Orquilouco
Clotilde Tavares | 9 de dezembro de 2009Eu tenho um amigo que é maluco. Mas isso todo mundo também tem. Todo mundo conhece gente que tem um parafuso frouxo. Mas a maluquice desse meu amigo é saudável porque ele a usa integralmente para defender seus pontos de vista e as coisas em que acredita. Aí, o chamam de doido porque ele não tem medo de ir até às últimas consequências. Ele mora em Natal, tem cerca de 60 anos, curso superior, bonitão e criador de orquídeas. Por isso gosto de chamá-lo de Orquilouco.
Pois uma vez o Orquilouco foi levar a filha a um dos shoppings de Natal e viu duas motocicletas paradas na vaga destinada a portadores de deficiência. Chamou o segurança e reclamou daquele absurdo. O segurança disse que não tinha visto, não sabia quem era, e ele começou a se irritar. E disse: “Olha, eu venho pegar minha filha daqui a meia-hora. Se essas motos ainda estiverem aqui, você vai ver uma coisa”.
E assim disse, assim o fez. Ao voltar, como as motos ainda estavam estacionadas no mesmo lugar, ele entrou com o carro no corredor principal do shopping e estacionou entre as lojas. Criou-se então um grande tumulto. Vieram os seguranças, mas se intimidaram diante do Orquilouco, que, em alto e bom som, expunha aos curiosos – que já eram muitos – os motivos da sua atitude. Muita gente ficou do lado dele e a pressão sobre os seguranças e a administração do shopping ficou cada vez mais forte. Decidiu-se então procurar os donos das motos, que não foram encontrados. Para acabar com a confusão, os seguranças se reuniram e tiraram “no braço” as duas motos da vaga de deficiente. Só então o Orquilouco tirou o carro de dentro do shopping. A multidão aplaudiu, enquanto a filha dele, morta de vergonha dos escândalos do pai, procurava passar despercebida e entrava no carro.
É louco, diria você, meu caro e sensato leitor. É louco, digo eu também. É louco porque é capaz de se arriscar, de dar a cara para o tapa quando vê uma coisa errada acontecendo, mesmo que essa coisa errada nada tenha a ver com ele. Quantos de nós temos essa mesma disposição diante da vida? Quantos de nós estamos dispostos a nos arriscar em busca daquilo em que acreditamos? Quantas coisas erradas e tortas acontecem neste mundo somente porque nos omitimos, viramos o rosto para o outro lado, fechamos os olhos, nos negamos a ver a agressão, a dor, o erro, porque nos incomoda mas pensamos que não temos nada com isso?
Fica então aqui o exemplo do Orquilouco, para nos servir de inspiração nestes dias.
Eu já havia publicado essa crônica no jornal há tempos. Mas na próxima segunda-feira, o meu querido Orquilouco, o agrônomo e orquidófilo Cassiano Lamartine, vai se submeter a uma cirurgia delicada. Com votos de que corra tudo bem, peço a todos que, junto comigo, torçam por ele.
Aproveito para complementar que Cassiano fez a cirurgia já faz bem um ano e está bem; mas a doidice continua a mesma, e eu o amo por isso.
Cassiano é uma das minhas referências e exemplos de homens de atitude, dos que estão em falta hoje em dia. Que tudo corra bem 2.a feira e que eu possa rir muito das histórias que ele ainda vai contar, como essa acima, que eu repito de vez em quando.
Palmas pro seu amigo, precisamos de mais “loucos” nesse mundo. Que tudo corra bem.
Acho que tambem sou uma “orquilouca”…tenho mais de 100 orquideas dentro de casa, numa terra que a temperatura media anual fica abaixo de zero, e’ amor demais.